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O que a nova geração do k-pop ajuda a desconstruir

Um texto sobre críticas ao sistema, representatividade e masculinidade tóxica.

 

Nos últimos três anos, mundialmente falando, o k-pop vem passando pelo seu maior estouro em pouco mais de duas décadas de existência. Sem entrar em méritos específicos, com essa explosão, surgiu a necessidade de uma expansão da significação musical e, a criação de uma fanbase muito mais “problematizadora” do que a de alguns anos atrás e de artistas muito mais consistentes sobre as diferentes culturas que os consomem, justamente pela popularidade universal que a indústria conseguiu alcançar.

O diferencial desta nova geração de idols, além de sua pouca idade, é a necessidade destes de serem extremamente comunicativos e humanizados, se tornando muito mais do que espelhos, ao se aproximarem de seu público alvo através da produção/construção de sua própria música.

Deste B.A.P e Exid, passando por Seventeen e Pentagon, o próprio BTS e tantos outros chamados self production idols, o k-pop, em 2019 se mostra para o público de forma mais experimental e cada vez menos limitante, exibindo trabalhos feitos pelos mesmos artistas que os performam nos palcos, criando grupos que parecem singulares mesmo em meio a essa grande saturação de atos. Todos os grupos idols citados anteriormente, já nadaram contra a corrente de alguma forma e, representam muita coisa dentro desse amontoado de cultura de massa vendível. Claro, as críticas ao sistema, rebeliões e manifestos sempre estiveram lá, no entanto,  agora elas aparecem de forma mais acentuada.

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Mas o que chama atenção nessa leva de grupos novatos não é exatamente o fato deles produzirem a própria música, mas sim a forma como o fazem. Stray kids é grande exemplo nesse caso. O grupo, que fará uma ano desde sua estréia no próximo dia 25, já mostrava sua divergência e originalidade em seus dias de pré-debut, tratando de assuntos como depressão, falta de esperança ou simplesmente ser adolescente, em suas letras. A interação com os fãs está até mesmo na marca oficial do grupo, em suas promos & jackets dos álbuns, o bordão “you make stray kids stay” é infalível em emocionar qualquer um que tenha uma mínima conexão com o trabalho com os meninos e sua música. Como se não bastasse a sinceridade presente genuinamente na música de Stray Kids, esses meninos parecem cada vez mais ambiciosos e corajosos com seu conceito, elevando sua música a cada álbum, em direção a uma das discografias mais carnais e reflexivas de toda a indústria, dando ênfase a seu trio estelar de produções, o 3racha (Bang Chan, Seo Changbin e Han Jisung).  

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Em paralelo com o material musical em si, existe outro fator que com certeza se agravou devido aos recentes escândalos envolvendo cantores idol: a personalidade dos artistas. É obviamente impossível conhecer tão profundamente em seu artista e, talvez seja por isso que a postura controversa ou até mesmo criminosa de alguns deles deixe muitos admiradores em profundo choque e desapontamento.


A questão do idol problemático parece se reerguer agora, em gerações passadas, justamente para sofrer um grave processo de desconstrução pelos chamados grupos rookie. Práticas de cunho racista e preconceituoso (discursos xenófobos, gordo fóbicos, ofensas ao público lgbtqia+ e ao direito das mulheres) parecem ser cada vez mais repudiados e desconsiderados em figuras públicas calouras, principalmente. Não é possível saber se determinada postura se dá pelo policiamento das agências ou outros fatores, mas algo definitivamente mudou no jeito de se fazer entretenimento. Uma postura tão desinteressante como ridicularizar danças de grupos femininos em programas de variedade, antes era vista como tentativa de fazer humor e hoje é fortemente reprimida pelas fanbases e raramente praticadas por novos idols.

Grupos como The Boyz, ONF, A.C.E, ATEEZ e até mesmo o antes citado Stray Kids, são especialistas em reproduzir coreografias de girl groups com respeito e profissionalismo, dando um banho de realidade na sociedade sexista da Coreia do Sul e ajudando a estabelecer uma crescente desconstrução da masculinidade tóxica e do machismo estrutural.

“É bom sermos um grupo que tem boas habilidades e música, mas quero tornar-me num idol que seja uma boa influência para o público”. Disse Seo Changbin (Stray Kids) em uma entrevista á revista The Star, em 2018, como quem releva a solene intensão de ser um bom exemplo para seus fãs.

 

Nessa corrida pelo ganho representativo e por tornar a música mainstream coreana algo intimista e importante, os grupos femininos não poderiam ficar de fora.

Com seu projeto de estréia gigantesco e seu universo amplo soluto em teorias da conspiração e quebra-cabeças sem fim, damos de cara com LOON?, e sua música marcante. Em seu último álbum, por outro lado, a inovação não vem através da sonoridade, mas sim da sororidade. Não, você não leu isso errado! Em sua última música de trabalho, o grupo investiu num vídeo musical extremamente representativo e emocional, dando espaço a diferentes tipos de beleza étnica, eu mesma não me lembrava da última vez que vi uma pessoa negra em um vídeo de k-pop, (algum que não me deixasse constrangida), para além do vídeo, temos butterfly, uma música sobre liberdade, construindo uma linha tênue entre instabilidade e aceitação, sobre a qual o LOON? procura se debruçar, por apenas se recusar a ser só mais um entre tantos girl groups. Olhando por esse lado, talvez as garotas do mês não estejam tão distantes de atos ocidentais com a mesma proposta, como o Little Mix, por exemplo.

https://www.youtube.com/watch?v=XEOCbFJjRw0

LOONA cumpre com maestria seu objetivo de integração feminina em ‘Butterfly’.


Caminhando para o final e partindo para as estreias mais recentes a serem citadas, são esses ITZY e TXT, que apesar de serem essencialmente distintos, tocam no mesmo assunto principal: a aceitação pessoal. Quando se produz para o público adolescente, promover esse tipo de ideia num ambiente social intolerante e repressor, cercado de falsa comoção como vivemos, é uma bandeira difícil de se carregar. De maneira descompromissada e parecendo por vezes até lúdica e recreativa, Crown e DALLA DALLA cumprem seu papel e disseminam sua temática eficientemente, enquanto a última, ainda tenta criticar a invasão de privacidade e filmagem não consensual em seu vídeo musical. Seja apenas dispensando opiniões alheias ou convidando o ouvinte a amar seus chifres, pois estes são a sua coroa, ambas as faixas carregam inegavelmente uma forte mensagem que as impedem de passar despercebidas, alastrando sua proposta para o público jovem, que tanto necessita deste tipo de motivação.

https://www.youtube.com/watch?v=W3iSnJ663II

O grupo novato da bighit, através de metáforas e elementos lúdicos exercita a empatia e a auto estima em sua faixa de estréia.

 

O k-pop dos últimos anos nos leva em uma viagem em busca de novos olhares, uma maior sensibilidade para lidar com obras que passariam raspando ou seriam no máximo ouvidas em alguma playlist muito específica do Spotify. Existe uma infinidade de novos compositores, produtores, coreógrafos, artistas, designers (e todo o resto da lista de coisas que Kevin Moon pode ser) esperando para serem ouvidos e reconhecidos e que trabalham noite-dia para serem inovadores e transmitir sentimentos e sensações através de sua música.

Não é dizer que a indústria da música pop coreana vai abraçar o mundo com as mãos e eliminar os preconceitos do dia para a noite. É simplesmente aceitar que talvez o k-pop racista, sexista e homogêneo tenha perdido a vez numa geração que procura se enxergar no entretenimento, que a evolução ocorre gradativamente e que, acima de tudo, essa nova postura não poderia ter um momento melhor para estar acontecendo, consolidando a voz jovial e refrescante como expressão artística saudável, daquelas que têm muito a dizer…

 

 

 

 

 

 


 

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