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Conceito fofo: entre a desvalorização e a sexualização.

No mundo do k-pop, em meio a uma infinidade de conceitos e temas, existem parâmetros crus, que servem de base para desenvolver novas ideias para cada álbum ou trabalho de um grupo idol. Dentre esses parâmetros, um dos estilos clássicos da indústria é o conceito fofo.
Carregando um estigma infantilizado e inocente, o conceito fofo acaba caindo em desuso pela maioria dos grupos após seus primeiros anos de carreira, sob justificativa de amadurecimento de seus integrantes ou de sua musicalidade, tema que é tratado neste artigo.
O que pouco se procura discutir são as condições dentro das quais o famoso ‘cute concept‘ é substituído ou se dissolve pela discografia de um grupo. Na fanbase atual do k-pop, que adotou uma cultura de massa nos últimos anos, é comum vermos admiradores portadores de uma postura contrária ao conceito fofo, mantendo distância dos grupos que os fazem.
Na medida em que a indústria conquistou popularidade no ocidente, as empresas de entretenimento buscam cada vez mais expandir seu mercado, adotando um conceito mais sóbrio e acinzentado, para conquistar o público internacional, que possui certa aversão ou estranheza às cores vivas e gestos fofos dentro do aegyo concept. Essa estranheza é muitas vezes causada por um pensamento etnocêntrico ou pelo simples desconhecimento de como a indústria cultural funciona no leste da Ásia, onde as grandes produções repletas de cor e até mesmo beirando a bizarrice são severamente consumidas e eternizadas.
Na indústria de música americana ou ocidental de maneira geral, cenários descorados preenchidos com pessoas palpáveis ou genéricas são a grande tendência. Existe um apelo por fazer o cliente se enxergar dentro dos videoclipes, fomentando o grande mercado da música global, através da empatia.
O pop coreano, para seus fãs e, para seus produtores é como um grande escape à realidade, onde a extravagância ganha prestígio e os grandes universos se afastam do lugar comum ou mais prático.
Em todas as gerações, existem grupos que cresceram e decidiram experimentar mais com sua música, grande exemplo disso é o boygroup ‘Seventeen’, que ganhou popularidade nos primeiros anos com um conceito fofo e energético e, atualmente experimenta uma estética mais poderosa e adulta, embora inclua traços dos trabalhos iniciais em suas faixas de tempos em tempos.

Apesar de possuir uma proposta mais experimental atualmente, o Seventeen transita entre o elegante e o divertido, as vezes retornando ao seu conceito ‘aegyo’, conhecido como origem do grupo.

Em contrapartida, o mercado está regado de grupos que iniciaram promissores no conceito alegre e adorável, mas que se perderam na proposta inicial por frustrações em suas vendas. Nas últimas gerações, é impossível não perceber que existe certa defasagem dos conceitos mais inocentes ou chamativos. Grupos como Astro, Twice, Laboum, entre outros, iniciaram em um aegyo concept muito bem executado, mas atualmente apostam em titles e coreografias mais ousadas ou consideradas adultas.
Por vontade da empresa, dos membros ou pela simples necessidade de vender uma imagem mais madura, grupos sofrem esse tipo de transformação. No entanto, o público também dita tendência dentro deste grande mecanismo, afinal, somos nós que limitadamente escolhemos o que consumimos. Logicamente, a música que vende mais tende a ter sua fórmula repetida. O conceito fofo ‘flopa’? O k-pop mudou ao ponto de rejeita-lo ou excluí-lo?

O boygroup ‘Golden Child’ trocou seu conceito depois de um longo hiatus. Anteriormente seus lançamentos eram adoráveis e vivazes e, após sua reformulação os garotos apostaram em uma coreografia mais sensual, recebendo muita atenção e, até mesmo conquistando primeiro lugar em um programa semanal.

O VERIVERY também fez sua mudança drástica de conceito, logo após seu primeiro ano de atividade, saindo da imagem adolescente de Ring Ring Ring e mergulhando no conceito maduro de Lay back.

É importante observar que, em alguns momentos a própria fanbase se volta contra esse tipo de conceito, chegando até mesmo a ridicularizar ou diminuir grupos por produzi-los. A grande questão é que gestos fofos e cores vibrantes estão presentes na música pop coreana desde seus primórdios, tendo sofrido uma grande evolução durante as terceira e quarta gerações.

Uma das faixas cute concept mais memoráveis do k-pop é Balloons, do grupo veterano TVXQ!; a música foi lançada em 2006 e, até hoje recebe covers e homenagens de grupos da nova geração.

Vale lembrar também que, os conceitos puros ou inocentes, muito criticados, na grande maioria das vezes possuem estruturas musicais agradáveis e complexas e, podem chegar até a carregar certa crítica em suas composições; cabe ao espectador ou ouvinte, um pouco de atenção aos detalhes.

Em ‘No oh oh’, o CLC critica a erotização de menores de idade dentro e fora da indústria. No vídeo musical, as integrantes dão uma verdadeira aula sobre consentimento e abominam a sexualização infantil em gestos lúdicos. A letra d faixa ajuda a deixar o tema mais explícito.

Nos últimos meses, a polêmica das redes sociais tem sido ocasionada pela sexualização de ídolos da indústria, principalmente artistas femininas. Comportamentos grosseiros ou difamatórios são sempre majoritariamente direcionados à mulheres, no mundo da música não é nem um pouco diferente.
Nas mídias sociais, diariamente nos deparamos com conteúdo sexual envolvendo idols, desde as tradicionais fanfics, chegando à montagens de fotos e vídeos que circulam pela internet livremente e, as vezes usando o rosto de menores de idade.
Considerando nosso machismo estrutural é inevitável que idols femininas recebam olhares ou comentários sexuais em todos os momentos, sob o olhar fetichista daqueles que as assistem. Até mesmo no mais puro conceito fofo, jovens cantoras tem seus corpos e movimentos erotizados. Qualquer coreografia simplória dançada por uma menina usando shorts automaticamente se torna um chamariz de pessoas com segundas intenções e, esse é o tipo de comportamento que deve ser repudiado e desconstruído. Para saber mais sobre sexualização de idols na indústria do k-pop, ouça nosso podcast aqui.

O grupo ‘April’, conhecido por sua imagem fofa e inocente, sofre constantemente sexualização exacerbada pelos internautas. Em 2019, uma das membros, Lee Jinsol, veio a público através de seu instagram, manifestando insatisfação e constrangimento diante de gifs e fotos na internet que expõem seu corpo e erotizam suas roupas.

Independente do demérito com o qual os conceitos fofos são tratados, é indispensável que a fanbase valorize esses lançamentos que essencialmente integram a diversidade do k-pop desde sua criação. Embora pareça infantilizado e insosso a primeira vista, não quer dizer que não haja um extremo esforço na suavidade estética e energia da música, além da diligência louvável dos cantores em atuarem dentro da premissa de seu álbum; ser expressivo e adaptável também deve ser considerado um talento.
Por fim, precisamos, enquanto comunidade, dar espaço para diferentes manifestações e interpretações, lembrando sempre que os artistas e produtoras possuem uma intenção por trás de cada faixa, de cada vídeo musical. Conceitos sombrios e adultos são admiráveis e complexos mas, as vezes dar chance a um pouco de alegria e cor parece tão sensato quanto consumir músicas básicas ou equivalentes, com a falsa ilusão de maturidade.
Só é preciso força de vontade para desmistificar a grande explosão de tons pastéis e ‘aegyo‘, em suas diferentes variações, assim, construindo uma indústria mais saudável, segura e diversa para todos.

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