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Antifeminismo na Coréia do Sul: Apenas Mais um Caso Isolado?

Indiretamente relacionado a um caso de estupro seguido de morte, assumidamente antifeminista e autor da frase: “As mulheres estão propensas a sofrer mais crimes sexuais. Não que elas mereçam, é apenas porque são humanas”, o ex-vereador do distrito de Gwanak-gu foi eleito Diretor do Comitê Especial de Ética pelo mesmo distrito.

Esta matéria busca oferecer uma visão geral acerca do movimento antifeminista sul-coreano, evidenciando as dificuldades enfrentadas pelas mulheres (coreanas e estrangeiras) e analisando o modus operandi dos responsáveis por essas adversidades.

Quem é Choi In-ho?

Formado em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Católica de Daegu e eleito o vereador mais jovem da história aos 20 anos, Choi In-ho é um político de extrema-direita conservadora, filiado ao Partido do Poder Popular (PPP), que construiu uma carreira de sucesso baseada em ideologias antifeministas e um alinhamento estreito com partidos extremistas republicanos dos Estados Unidos.

Vitória de Choi In-ho para vereador - Fonte: Kakao Corp

Com políticas que vão desde o corte total de investimentos no combate às gravações ilegais de mulheres – problema que se espalhou por toda a Ásia Oriental – até o desmantelamento de uma medida de proteção de mulheres conhecida como “Caminho Seguro de Retorno Para Mulheres”, Choi In-ho argumenta que, “A Coreia do Sul não é um paraíso para abusadores, mas um país seguro e tranquilo.”.

Com base em seus ideais conservadores, Choi In-ho possui um canal no YouTube onde publica discursos, opiniões e conquistas políticas. Sendo o slogan do canal: “Criticando o feminismo e professores ideológicos”, Choi já publicou um vídeo intitulado “Feminismo é fascismo sexual! Acabem com as organizações feministas, o investimento em pautas de gênero e as famílias de mulheres!”, ideias que lembram ataques às instituições feministas brasileiras, o crescente crime de ódio contra a pauta LGBTQIAP+ e a lei Escola Sem Partido, proposta em 2004.

Choi In-ho comemorando o corte de investimentos - Fonte: The Korea Herald
Canal de Choi - Fonte: Youtube

Caminho Seguro de Retorno Para Mulheres

O Caminho Seguro – abreviado para maior fluidez – é uma medida fundamentada nos preceitos da iniciativa “Safe Roads”, criada pela organização internacional de defesa da igualdade de gênero, Plan International.

De acordo com uma pesquisa realizada em Londres, cerca de 97% das mulheres entre 18 e 24 anos relataram ter sofrido assédio sexual, e a grande maioria (96%) não comunicou o ocorrido à polícia por medo ou desconfiança nas estruturas de segurança destinadas às mulheres.

Diante do alto índice de violência contra a mulher, a Plan International, em parceria com a Universidade Monash, da Austrália, desenvolveu o aplicativo de mapeamento “Free To Be”, que permite com que as mulheres marquem em roxo as áreas seguras e, em laranja, as áreas perigosas.

Safe Road App - Fonte: Plan International

Utilizando dessas mesmas estruturas, a prefeitura de Seul passou a investir fortemente na segurança urbana, instalando câmeras em ruas, iluminação inteligente e, principalmente, recursos para alertar sobre crimes em potencial, como sinos de alarme, telefones conectados diretamente à delegacia policial e o aplicativo chamado “Ansimi”.

Ansimi app - Fonte: The Korea Herald
Caminho de Retorno Seguro Para Mulheres - Fonte: Yeongnam

O aplicativo – inicialmente disponível apenas para mulheres – oferece diversas funcionalidades, com destaque para o botão SOS e as luzes de segurança. As luzes inteligentes instaladas nas ruas se conectam diretamente ao app e, caso a função “Luz de Segurança” esteja ativada, cada lâmpada acende com mais intensidade a medida que a pessoa passa, atualizando a localização no banco de dados do aplicativo.

Contudo, o aplicativo que era para garantir principalmente a segurança das mulheres se tornou de uso geral no ano de 2022, permitindo com que potenciais abusadores soubessem dos posicionamentos das câmeras e ruas sem policiamento. 

Essa medida é apenas mais um exemplo da desestruturação das políticas feministas, ilustrando o quão desafiadora é a realidade das mulheres no país. No que se refere à (in)segurança das mulheres na Coreia do Sul, essa não foi a única decisão prejudicial dos políticos conservadores.

Corte de Investimentos e Estupro Seguido de Morte em Gwanak-gu

Gwanak-gu é o principal distrito de Seul, onde está localizado o campus mais renomado da Universidade de Seul. Considerando a grande população de estudantes que frequentam a universidade e precisam fazer deslocamentos, é fundamental a existência dos Caminhos Seguros Para Mulheres.

Contudo, o vereador Choi In-ho pensa diferente. Segundo ele, “Acredito que o projeto das ruas seguras e a instalação de câmeras de segurança, alarmes e luzes inteligentes seriam mais eficazes para a segurança geral, não exclusivamente das mulheres”, acrescentando, “Os homens estão numa situação em que não há segurança para nós.”.

Com esses argumentos, Choi In-ho cortou integralmente os investimentos destinados aos “Caminhos de Retorno Seguro Para Mulheres”, celebrando a medida em seu canal com os dizeres “Feito histórico” e “Não haverá mais ruas para mulheres”. A população de Gwanak-gu exigiu sua destituição, mas não obteve sucesso.

Pouco tempo após o corte total de investimentos, ocorreu o emblemático caso de estupro em uma trilha de Gwanak-gu. Gong – o nome da vítima não foi revelado – era uma professora de 35 anos, formada pela Universidade de Seul e querida por alunos e familiares. Ela fazia deslocamentos diários para o trabalho, pois o aluguel na cidade de Seul era alto.

Sem o amparo das ruas seguras para mulheres e com o Ansimi agora de uso geral, Gong foi perseguida por um homem até uma trilha isolada em Gwanak-gu, onde foi violentamente atacada. Infelizmente, ela não resistiu aos ferimentos e faleceu de morte cerebral dois dias após o acontecido.

Trilha onde ocorreu o caso, em Silin-dong. Fonte: The Korea Herald

O agressor foi condenado à prisão perpétua.

Mais uma derrota para as mulheres coreanas

Após o caso de Silim-dong (local por onde Gong passava para ir ao trabalho), Choi In-ho enfrentou novas críticas em suas redes sociais. Internautas coreanos o responsabilizaram pela morte de Gong e exigiram novamente sua destituição.

Choi In-ho, no entanto, rebateu as críticas, afirmando: “A culpa deste ‘triste incidente’ e do aumento de crimes decorre da tentativa de engajar na política por meio de discursos de gênero. Feministas estão me usando como alvo e abusando verbalmente de mim sem entenderem os processos administrativos. Vou processar todos esses comentários contra mim.”, e concluiu dizendo que o simples fato de haver uma sinalização de rua informando que a rua é segura para mulheres, não significa que elas se sintam realmente seguras – como se ele entendesse os sentimentos de insegurança de uma mulher.

Em 2024, Choi In-ho foi eleito Diretor do Comitê Especial de Ética e Direitos Humanos de Gwanak-gu, o mesmo distrito onde ele, indiretamente, causou a morte de Gong. A população de Gwanak-gu não esquecerá esse fato, porém, a mobilização é mínima e a misoginia coreana se fortalece.

Infelizmente, todas aquelas que morreram em consequência da misoginia que se formou na Coreia jamais voltarão, tornando-se cicatrizes eternas na história do país.

Referências

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